Giovanni Pietro Dal Toso é núncio apostólico em Jordânia e Chipre desde 2023. É doutorado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Gregoriana e licenciado em Direito pela Pontifícia Universidade Lateranense. Como Secretário Delegado do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, o Santo Padre confiou-lhe em 2017 a visita a Alepo durante o conflito no Médio Oriente. SíriaEra membro das Obras Missionárias Pontifícias, com o objetivo de acompanhar os cristãos que sofriam com a guerra e os ataques terroristas. Nesse mesmo ano, iniciou a sua presidência das Obras Missionárias Pontifícias.
A experiência de Dal Toso em lugares de conflito onde coexistem diferentes religiões dá-lhe uma visão valiosa para a Igreja e para a missão diplomática do Vaticano, que, nas suas próprias palavras, promove a consideração de "problemas à luz dos princípios éticos".colocando no centro "o bem do povo, que é o verdadeiro critério que a política deve seguir"..
Que desafios enfrenta a Igreja no seu trabalho pastoral num contexto tão pluralista como a Jordânia e Chipre, onde coexistem diferentes religiões e culturas?
-Como diz, a situação na Jordânia e em Chipre é muito diferente de um ponto de vista histórico e religioso. Começo pelos aspectos que são mais semelhantes. De facto, politicamente, existe uma grande cooperação entre estes dois países. Resumindo: tal como Chipre é a ponte entre o Ocidente e o Oriente, também a Jordânia é a ponte entre o Oriente e o Ocidente. Chipre é o lado da UE mais próximo do Médio Oriente, e a Jordânia é o mais próximo dos países árabes do Ocidente. A questão da imigração também os une, porque na Jordânia há refugiados da Palestina, da Síria e do Iraque, enquanto Chipre é o país europeu com a maior percentagem de imigrantes, porque, como sabemos, muitos vêem Chipre como a porta de entrada para a Europa.
De um ponto de vista sociológico e religioso, a situação é completamente diferente. A Jordânia é um reino onde a grande maioria da população é muçulmana, enquanto em Chipre, pelo menos na parte sul, a população é maioritariamente ortodoxa e de cultura grega; na parte norte ocupada, quase todos pertencem ao Islão. Mas como as coisas nunca são simples, há que fazer outra distinção. O Patriarcado Latino de Jerusalém estende-se à Jordânia e a Chipre: o Ordinário dos católicos latinos em ambos os países é o Patriarca de Jerusalém. Na Jordânia há também uma diocese greco-melquita e paroquianos de ritos siro-católicos, caldeus, maronitas e arménios, ou seja, seis ritos católicos, e há também cristãos ortodoxos, anglicanos e protestantes. Em Chipre, ao lado da comunidade latina, sobrevive, após 1000 anos, uma grande comunidade maronita, com o seu próprio arcebispo.
Como se pode ver, a situação é bastante complexa. É uma riqueza ter tantos ritos, mas isso também pode ser uma fraqueza, pois os católicos são numericamente poucos.
Na sua opinião, qual é o papel da diplomacia do Vaticano na promoção da paz e do diálogo inter-religioso?
-A promoção da paz, juntamente com o apoio à missão específica da Igreja, é uma prioridade da diplomacia do Vaticano, e não apenas no Médio Oriente. As palavras do Santo Padre apelam sempre à paz entre as nações e apontam sempre para o diálogo, e não para o conflito, como caminho para a convivência entre os povos. É claro que, na situação do Médio Oriente, tudo isto tem um valor especial, porque esta região há muito que sofre de conflitos entre os diferentes países.
A força da diplomacia do Vaticano não é a força económica ou militar, mas realiza-se através da palavra, da exortação a considerar os problemas à luz dos princípios éticos para o bem dos povos, que é o verdadeiro critério que a política deve perseguir.
O Papa Francisco também sublinhou o princípio da fraternidade: devemos olhar para o outro como um irmão, porque partilhamos a mesma humanidade, e não como um inimigo ou um estranho. Esta visão do Papa foi concretizada, em particular, com o documento sobre a Fraternidade Humana para a Paz Humana e a Coexistência Comum, que assinou em 2019 em Abu Dhabi com o Reitor da Universidade de Abu Dhabi. Al Azhar Cairo. Isto significa que o diálogo entre as diferentes religiões pode também basear-se no princípio da fraternidade e contribuir assim para a paz.
Como descreveria a relação entre a Igreja Católica e as outras comunidades religiosas na Jordânia?
--Se falarmos de outras comunidades religiosas na Jordânia, temos de distinguir entre comunidades cristãs e não cristãs. Normalmente, as pessoas não prestam muita atenção ao facto de uma pessoa ser católica ou ortodoxa: na linguagem comum, faz-se uma distinção entre cristãos e muçulmanos. A Jordânia é um país conhecido pelas boas relações entre cristãos e muçulmanos. Não posso esquecer um acontecimento dos primeiros meses da minha missão, quando, numa homilia, falei da coexistência entre cristãos e muçulmanos. Depois da celebração, um senhor cristão dirigiu-se a mim e disse-me que não devíamos falar de coexistência, mas de familiaridade. É assim que são as boas relações entre as duas comunidades.
Isto não significa que não haja, por vezes, tensões, especialmente em momentos históricos em que o radicalismo se instala. Mas devo também acrescentar que a Casa Real da Jordânia é muito favorável à harmonia inter-religiosa. A este respeito, vale a pena recordar o Instituto de Estudos Inter-religiososfundada em 1994 pelo Príncipe Hassan, tio do Rei Abdullah II, que promove o diálogo inter-religioso, não só na Jordânia.
Na Jordânia, os cristãos constituem uma pequena parte da população. Que desafios enfrenta a Igreja na sua missão pastoral e que medidas estão a ser tomadas para apoiar a comunidade cristã local?
-O desafio mais sério para os nossos cristãos, especialmente para os jovens, é a "utopia do Ocidente". Muitos querem deixar o país para se mudarem para a Europa, América ou Austrália. Este fenómeno verifica-se em todo o Médio Oriente e preocupa-nos muito, porque os cristãos são parte integrante do mundo árabe. Por vezes, preocupa-me que no Ocidente "árabe" signifique "muçulmano". Não é esse o caso. Embora pequena, a população cristã contribuiu muito, e continua a contribuir muito, para o bem das sociedades do Médio Oriente. Este é um facto histórico.
Mas a questão não se prende apenas com o aspeto social: as comunidades cristãs daqui são as herdeiras diretas das primeiras comunidades cristãs. Aqui na Jordânia há muitos vestígios dos primeiros séculos cristãos. O facto de os cristãos quererem sair destes países é um desafio em muitos aspectos.
É igualmente importante recordar que o laicismo tem influência em todo o lado, nomeadamente através dos meios de comunicação social. É uma cultura que se impõe, que não pára e que se nota nas nossas regiões. Um sinal claro disso é a diminuição do número de vocações ao sacerdócio e à vida religiosa. É por isso que a formação na fé continua a ser uma prioridade, especialmente para os jovens.
Chipre tem sido historicamente uma ilha dividida, com tensões entre as suas comunidades. Como é que o trabalho da Igreja é vivido neste contexto político e social? Que esforços está a Igreja a fazer para promover a reconciliação?
-A divisão da ilha de Chipre remonta a 1974, quando as tropas turcas invadiram a ilha e proclamaram uma República independente, que, no entanto, não é reconhecida internacionalmente, exceto pela Turquia. É evidente que esta divisão marca profundamente a ilha, porque ao longo do tempo tem causado grande sofrimento. Muitos tiveram de abandonar as suas casas e os seus bens para se deslocarem para uma ou outra parte da ilha. Nem todas estas feridas sararam. Foram feitas tentativas de reconciliação entre as partes, mas infelizmente não deram frutos.
Também aqui a Igreja pouco pode fazer, sobretudo porque, como já dissemos, é uma pequena minoria. Mas também aqui, por exemplo, está a tentar promover o diálogo inter-religioso com algumas iniciativas. No entanto, atualmente, o papel da Igreja Católica em Chipre, especialmente a de rito latino, é o de se adaptar às novas circunstâncias em que desempenha a sua missão. Refiro-me ao facto de o número de imigrantes católicos de África, por exemplo, que necessitam de cuidados pastorais, estar em constante crescimento. Por esta razão, as estruturas pastorais da ilha estão a ser reforçadas e, no ano passado, foi também ordenado um bispo latino como Vigário Patriarcal de Jerusalém, a fim de dar uma configuração mais completa a esta Igreja. A parte do rito maronita, porém, cresceu muito nos últimos anos, porque muitos libaneses, perante a incerteza da situação no Líbano, preferiram mudar-se para a ilha de Chipre, que não fica longe do seu país.
A Jordânia é um país-chave no Médio Oriente em termos de estabilidade política e religiosa. Que papel desempenha a Igreja Católica no apoio aos esforços de paz e compreensão mútua numa região tão complexa?
-Penso poder dizer que os esforços da Santa Sé na nossa região são notáveis. Sem entrar em pormenores, isso já é visível, por exemplo, nas viagens do Santo Padre, que nos últimos anos visitou a Jordânia, Israel, Palestina, Egito, Emirados, Iraque e Bahrein. Esteve também em Chipre.
No que me diz respeito, com a minha nomeação, foi decidido ter um núncio residente na Jordânia, quando antes o núncio residia no Iraque e de lá seguia para a Jordânia. Digo isto para sublinhar a importância deste reino. A própria Santa Sé reconhece que o Reino da Jordânia desempenha um papel fundamental na estabilidade da região, tanto a nível social como religioso.
Mas, para além do empenhamento diplomático da Santa Sé, o maior contributo que a Igreja Católica pode dar é na formação das pessoas, na promoção do respeito e da convivência, na inculcação de valores positivos na consciência das pessoas.
Outro aspeto que não deve ser esquecido é a peregrinação aos locais sagrados na Jordânia, que faz parte da Terra Santa, porque muitos acontecimentos bíblicos tiveram lugar aí e também estão relacionados com a vida de Jesus. As peregrinações à Jordânia ajudam a reforçar as comunidades cristãs locais e a promover as relações entre o Oriente e o Ocidente. O encontro significa conhecermo-nos uns aos outros.