Evangelização

São Filipe Néri e os "três H's".

São Filipe Néri, como tantos outros santos antes e depois dele, foi um desses líderes, ou pais na fé, a quem Paulo nos exorta a referirmo-nos, olhando para o resultado das suas vidas na imitação da sua fé.

Gerardo Ferrara-26 de maio de 2025-Tempo de leitura: 6 acta
São Filipe Néri

São Filipe Néri, pintado por Giuseppe Nogari (Wikimedia Commons)

26 de maio é a festa de São Filipe Néri, co-padroeiro de Roma e santo a quem o cristianismo tanto deve.

Vida

Florentino de nascimento (nasceu em 1515), mudou-se para Roma aos dezanove anos e nunca mais a deixou, levando durante cerca de dez anos uma vida laica austera de intensa oração (que alternava com o trabalho de tutor de crianças). Passava noites inteiras em vigília nas catacumbas de São Sebastião, onde, em 1544, na véspera de Pentecostes, foi protagonista de um acontecimento sensacional: um globo de fogo - diz-se - entrou-lhe no peito pela boca.

A partir de então, começou a manifestar uma anomalia física: o seu coração batia forte e irregularmente, audível para os que o rodeavam, e quando morreu, um exame ao seu corpo revelou que as suas costelas se tinham arqueado para fora, precisamente devido à pressão do seu coração, que se tinha dilatado duas vezes e meia mais do que o normal (o que tornaria impossível a sua sobrevivência, enquanto Neri viveu 50 anos nessas condições).

A partir desse Pentecostes, Filipe intensificou o seu trabalho de evangelização da reforma "a partir de baixo": frequentava jovens adultos e profissionais (e não crianças ou adolescentes, como muitas vezes se pensa), ia aos hospitais, às prisões, às praças públicas, aos mercados, abordando as pessoas com simplicidade e um estilo direto, irónico, mas sempre profundo.

Apesar de muita relutância da sua parte, foi ordenado sacerdote em 1551, aos 36 anos, e exerceu o seu ministério com grande dedicação (chegava a passar dez horas por dia no confessionário).

Grande admirador do dominicano Girolamo Savonarola, distancia-se do seu rigorismo: para ele, não são as penitências, as devoções e as mortificações excessivas, mas a alegria, a simplicidade e a auto-ironia que são antídotos contra o orgulho e uma ajuda eficaz para o crescimento espiritual.

Amigo e conselheiro de vários papas, morreu a 26 de maio de 1595. Foi canonizado em 1622, juntamente com Inácio de Loyola e Francisco Xavier (seus amigos e companheiros em Roma), Teresa de Ávila e Isidoro o Labrador. 

Legado

De carácter efervescente, Filipe Neri gostava de discrição e procurou sempre desviar as atenções de si próprio, como fazem os verdadeiros líderes (o antropólogo Paulo Pinto define o desapego como a transferência do carisma de um líder espiritual para a sua comunidade após a sua morte, quando os seguidores se unem em torno dos valores que ele encarnava e não da sua pessoa). De facto, muito mais famosos do que ele foram os leigos que cresceram, humana e espiritualmente, sob a sua égide. Basta pensar em músicos como Giovanni P. da Palestrina ou Giovanni Animuccia (o padre e compositor espanhol Tomás Luis de Victoria também frequentava o Oratório).

Outra figura "oratoriana" que merece ser mencionada, para além do santo padre John Henry Newmané o grande arquiteto espanhol Antoni Gaudí, devoto de São Filipe Néri e leigo assíduo do Oratório de Barcelona (foi atropelado por um elétrico quando ia para as orações da noite), cujo processo de beatificação está em curso.

Em suma, Neri caracterizou-se por uma espiritualidade marcada pela jovialidade, mas também pelo inconformismo em relação à sua própria pessoa ou a uma norma preconcebida. De facto, nunca quis ser considerado um "fundador", sublinhando, pelo contrário, que a santidade é acessível a todos, de acordo com as suas próprias caraterísticas, e que a verdadeira reforma espiritual, assim como a verdadeira penitência, começa com o amor, com o sorriso, aceitando a própria vida e a dos outros como são e não como gostaríamos que fossem.

O Oratório

A Congregação do Oratório, nascida oficialmente em 1575, era uma instituição nova para a época, para garantir uma forma estável à comunidade sacerdotal que tinha crescido à volta de Filipe Néri, na qual os padres viviam em comunidade, mas sem votos religiosos, para se dedicarem ao serviço dos leigos e às necessidades do apostolado no Oratório.

Numa Roma ainda marcada pelo saque de 1527 e por uma crise moral e religiosa generalizada, Filipe, ainda leigo, tinha de facto "inventado" o Oratório para favorecer uma relação quotidiana com Deus e com os seus irmãos na fé, caracterizada também por encontros de oração com amigos no seu pequeno quarto da igreja de San Girolamo della Carità (onde vivia). Oratório, de facto, vem do latim "os", boca, para indicar a relação íntima, boca a boca, entre Deus e o homem. Nestes encontros diários, a Palavra de Deus era tratada familiarmente e partilhada, com a participação ativa dos leigos (não como ouvintes passivos, como nas homilias da missa) na oração, na reflexão e na partilha, algo inédito na época (tal como a missa diária).

Música

Uma das caraterísticas distintivas da oratória é a sua música. De facto, fala-se de música "oratoriana", e mesmo de Filipe Néri como precursor do género musical conhecido como oratório.

O génio de Filipe foi ter compreendido que a música é uma linguagem universal e favorece a difusão da mensagem evangélica, mesmo entre as classes populares, então analfabetas e incapazes de compreender o latim ou a música litúrgica. Por isso, começou a utilizar cânticos e melodias famosos na época, modificando muitas vezes os seus versos ou a sua escrita, ou mandando escrever novos. 

Desta ideia surgiu o género musical do oratório (muitas vezes uma alternativa sacra à ópera), cujos compositores mais famosos foram Carissimi, Charpentier, Haydn e, nos círculos protestantes, Handel (o seu oratório mais famoso é o "Messias") e Bach ("Paixão segundo S. Mateus" e outros).

As pessoas estão muitas vezes convencidas de que reintroduzir formas musicais barrocas (ou de nicho, como o folclore) para o público contemporâneo é refazer os passos de São Filipe Néri - nada poderia estar mais errado. Essas obras são certamente obras-primas musicais, mas a ideia original é falar às pessoas numa linguagem que lhes seja familiar, pelo que a música pop/rock, ou a música musical, no domínio não litúrgico, são as formas que mais se aproximam do que Filipe pensava. É um pouco como o que fazem atualmente alguns grupos protestantes ou católicos (sobretudo carismáticos): musicalidade contemporânea, canções compostas e arranjadas profissionalmente, textos e significados cristãos. Tudo isto, porém, fora da missa, onde, precisamente, existe a possibilidade de "fazer oratória".

Devoção moderna

Filipe Néri é filho da devoção moderna, um movimento de renovação espiritual dos séculos XIV-XV que procurava construir uma religiosidade mais íntima e subjectiva, uma "espiritualidade individual", por oposição à piedade colectiva da Idade Média. 

O seu nascimento deve-se, em particular, a Geert Groote (1340-1384), diácono e pregador católico holandês, que adoptou como Carta Magna o livro de Tomás de Kempis A Imitação de Cristo, que se centrava na importância do recolhimento e da oração individual, da leitura pessoal da Bíblia e da imitação de Cristo na vida quotidiana: a mística encarnada na realidade. Este movimento centrou-se também no apostolado dos leigos, espalhando-se da Holanda para a Bélgica, Alemanha e França, e depois para Espanha e Itália, e influenciando alguns dos pilares da Contra-Reforma Católica: Jan van Ruusbroec, Teresa de Ávila, João da Cruz, Inácio de Loyola e, de facto, Filipe Neri, com Francisco de Sales como seu continuador. Estes dois últimos inspiraram mais tarde São Josemaría Escrivá a fundar o Opus Dei.

O conceito de devoção moderna encontrou a sua legitimação definitiva com o Concílio Vaticano II e a exortação apostólica "...".Christifideles Laici"João Paulo II.

Filipe Néri, como tantos santos antes e depois dele, foi um desses chefes, ou pais na fé, a quem Paulo exorta a referir-se, olhando para o resultado da sua vida na imitação da sua fé (não os imitando diretamente, portanto). Eu diria ainda que ele foi um "Homo sapiens" por excelência, se tivermos em conta que o ser humano, feito de terra (húmus), é também sapiens (do latim "sapere"), termo que indica, mais do que erudição, sabedoria: o ter e o dar gosto.

Os três H's

Na sua vida encontramos aquilo a que chamo "os três H": "humilitas"; "humanitas"; "humour". São os três ingredientes que permitem ser "homo sapiens", portanto homens e mulheres que têm e dão gosto (e sabedoria), e todos eles derivam da mesma raiz latina, "humus", que é também a raiz de "homo" (homem):

"Humilitas" (humildade): consciência da própria limitação. Apesar de sermos feitos de terra e de sermos pobres e indefesos perante a idade, a morte e Deus, devemos ter consciência da nossa natureza divina, com a dignidade que lhe está associada. A verdadeira humildade é, portanto, o justo equilíbrio entre a terra e o céu, o realismo saudável;

"Humanitas" (humanidade): consequente à humildade, é o respeito por si mesmo e pelos outros que só pode vir do conhecimento de si mesmo na relação, primeiro com Deus e depois com o próximo. Só com humildade e humanidade (relação) se pode ser um dom para os outros;

O "humor" (humour): a verdadeira humildade, combinada com a alegria da relação com os outros, mas sobretudo com a felicidade de ser olhado e amado por Deus (que "olhava para a humildade dos seus servos"), conduz a uma inevitável leveza: não se leva demasiado a sério e, quando se erra, perdoa-se e segue em frente, rindo das próprias faltas e das dos outros, mas um riso que não é de escárnio ou de ridículo, mas simplesmente de "fechar os olhos".

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